Momentos houve na História de Portugal, tão relevantes como o 5 de Outubro e o 1º de Dezembro (na calha para voltarem a ser feriados), e que... nunca foram objeto de especial comemoração. Em época de tendência para o esquecimento voluntário, recordemos alguns deles
Contestada por historiadores, políticos ou "simples" cidadãos, continua a ser a abolição de alguns feriados identitários, entre eles o do 5 de Outubro e o do 1.º de Dezembro. Ambas estas datas assinalam momentos refundadores de Portugal e são por isso referências fundamentais que só em nome da ignorância poderiam ser perdidas ou subalternizadas. A 1 de dezembro de 1640, o País deu o primeiro e decisivo passo na caminhada da recuperação da independência, 60 anos depois de a ter perdido para a tentacular Espanha dos Habsburgos. A 5 de outubro de 1910 nasceu um Portugal reinventado segundo os valores da justiça e da fraternidade, exaustivamente recordados nas comemorações nacionais do centenário da implantação da República, no ano passado. Se os povos deixassem de cultuar as suas datas referenciais, o mundo tornar-se-ia um lugar mais pobre e uniformizado. Até para países hoje líderes e fautores da globalização, como os EUA, seria impensável deixar de colocar no topo da sua hierarquia de valores as datas matriciais - no caso americano a proclamação da independência (4 de julho) e a tradição dos "pais fundadores" do Dia de Ação de Graças (quarta quinta-feira de novembro).
É certo que outros momentos houve na História de Portugal igualmente relevantes e que... nunca foram feriados nem objeto de especial comemoração.
Em época de tendência para o esquecimento voluntário, recordemos alguns deles.
Porventura os dez mais importantes.
Fonte:http://visao.sapo.pt/as-10-datas-importantes-que-nunca-foram-feriado=f640500
A primeira tarde portuguesa
A primeira tarde portuguesa
A certidão de nascimento de Portugal foi a Batalha de S. Mamede, naquele dia em que, diz o povo, o filho deu uma tareia na mãe
A piada histórica predileta dos portugueses é aquela com barbas: como é que o País havia de ter corrido bem, se começou com um filho a bater na mãe? Mas há aqui dois equívocos. O primeiro é que Portugal correu bem durante muito tempo (e esperemos que volte a correr um dia destes); o segundo é que não houve nenhum filho a bater na mãe.
O filho a que a graçola se refere é, como toda a gente sabe, D. Afonso Henriques, fundador da nacionalidade e primeiro rei de Portugal; a mãe é D. Teresa, filha ilegítima de Afonso VI de Leão e Castela. Falta recordar a identidade do pai: tratava-se do conde francês Henrique de Borgonha, aparentado com a família real dos Capetos, que tinha vindo anos antes para a Península Ibérica fazer cruzada contra os mouros, colocando-se ao serviço de Afonso VI. Este, que era irmão de uma tia por afinidade do jovem Henrique, engraçou com ele e ofereceu-lhe a administração de uma parte do seu reino - o Condado Portucalense, região que abrangia o Minho, o Douro Litoral e parte de Trás-os-Montes. E como se não bastasse, deu-lhe ainda a mão da filha bastarda.
Quando Henrique, o borgonhês, morreu, deixando nos braços da viúva o pequenito Afonso Henriques, Teresa confiou o rebento à família do fidalgo duriense Egas Moniz, para que o educasse, e assumiu ela o governo do condado. Mas não a consideremos por isso uma mãe desnaturada... Naquele tempo era normal os fidalgotes serem educados por um aio.
D. Teresa ligou-se em seguida aos barões da Galiza no combate contra as ambições hegemónicas de Castela. O mais destacado desses barões era Fernão Peres de Trava, com quem ela se envolveu sentimentalmente. Mas a aliança foi também política, chegando o galego a governar os Condados de Portugal e de Coimbra.
É natural que os barões de Entre-Douro-e-Minho - entre eles Egas Moniz - não tenham estado pelos ajustes. Pegaram então em armas (a bem dizer, naquele tempo nunca as largavam), transformaram o jovem Afonso Henriques em seu estandarte de carne e osso e desafiaram para a luta Fernão Peres e Teresa, que tinham o apoio do arcebispo de Santiago de Compostela, D. Diego Gelmírez.
E, como não poderia deixar de ser, travou-se uma batalha.
O pintor Acácio Lino concebeu em 1922 um mural que intitulou A Primeira Tarde Portuguesa e que representa os dois bandos de guerreiros enfrentando-se de lanças na mão, não muito longe da silhueta de um castelo. A pintura representa a batalha de S. Mamede, que opôs as tais duas fações na tarde de 24 de junho de 1128, a norte do castelo de Guimarães, pertinho da cidade.
Mas porque se chamou a essa batalha "a primeira tarde portuguesa"? Porque a vitória dos partidários de Afonso Henriques - a maioria dos barões de Entre-Douro-e-Minho e o arcebispo de Braga, D. Paio Mendes, cioso da sua independência face ao prelado compostelano - abriu caminho à futura independência do País.
Derrotados, Teresa e Fernão Peres deixaram o governo do condado nas mãos do jovem Afonso Henriques e dos barões portucalenses. Reza a tradição, embora não existam provas documentais, que Afonso mandou encerrar a mãe no castelo de Lanhoso, perto de Braga. Esta lenda veio reforçar, se não mesmo construir, a ideia de que ele "batia na mãe". Mas não se tratava de bater como as pessoas normalmente julgam, mas antes de fazer realpolitik, como agora é aliás moda...
Se Teresa e Fernão Peres tivessem vencido em S. Mamede, o núcleo do Estado português continuaria a ser governado pelo casal de amantes, ligados à Galiza. Portugal não se autonomizaria, portanto.
Na lógica das comemorações nacionais, faz algum sentido que o dia 24 de junho nunca tenha sido feriado? É a data da independência portuguesa - se não oficial, pelo menos de facto.
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A maior das vitórias
Foi através do surpreendente triunfo na Batalha de Aljubarrota que Portugal conseguiu garantir por muitos anos a independência política
Está generalizada a confusão em torno da Batalha de Aljubarrota. Há quem julgue que foi "a padeira" que venceu "os espanhóis". Mas Brites de Almeida, que realmente existiu, "limitou-se" a matar à pazada, à medida que iam saindo do forno onde se tinham escondido depois da derrota na batalha, meia dúzia de castelhanos (no século XIV ainda não existia a nacionalidade espanhola, e espanhóis eram todos os ibéricos, inclusivamente nós). Mas o melhor é recordar tudo na devida ordem.
O casamento, em 1383, da filha única de D. Fernando, "O Formoso", com o rei Juan I de Castela pôs em perigo a independência de Portugal. Com efeito, quando nesse mesmo ano o soberano português morreu, o castelhano achou-se com direitos à coroa do nosso país - e legalmente tinha razão.
Foi então que, enquanto a maior parte da nobreza lusa apoiava o pretendente estrangeiro, a burguesia e o povo se revoltaram, pois não queriam ser governados por um castelhano. Existia já então um claro sentimento nacional. Houve, assim, um levantamento popular em Lisboa e gerou-se uma grande confusão de norte a sul. Sob a orientação da burguesia mercantil, D. João, o mestre da ordem de Avis, foi eleito nas ruas Regedor e Defensor do Reino, e uma das primeiras coisas que fez foi assassinar o conde de Andeiro, amante da rainha viúva Leonor Teles e partidário dos castelhanos.
E foi no meio disto tudo que D. Juan de Castela decidiu invadir Portugal para se apoderar do trono a que se achava com direito. Um exército entrou pela fronteira do Alentejo mas, a 6 de abril de 1384, foi derrotado em Atoleiros (Portalegre) pelos portugueses comandados por Nuno Álvares Pereira, um elemento da pequena nobreza, amigo do mestre de Avis, e na altura nomeado condestável, ou seja, comandante supremo das tropas. Entretanto, outro exército castelhano cercava Lisboa, que se defendeu como pôde. Uma terceira invasão entrou pela Beira Alta, mas foi travada em julho de 1385 perto de Trancoso.
As coisas estavam a correr bem para as cores nacionais. E pode mesmo falar-se de cores nacionais, porque nessa altura já o mestre de Avis fora aclamado rei de Portugal nas Cortes de Coimbra, com o nome de D. João I. (As Cortes eram grandes assembleias de representantes do Clero, da nobreza e do povo que se reuniam periodicamente.)
Mas se a revolução de 1383, um verdadeiro movimento social da burguesia e do povo unidos contra a nobreza, fora bem sucedida, a guerra contra Castela estava longe de se encontrar ganha.
No verão de 1385, Juan I de Castela entrou pessoalmente em Portugal à cabeça de um grande exército de 32 mil homens. Toda a nobreza do seu país fazia parte dele e muitos cavaleiros franceses (aliados de Castela) também. Devia ser impressionante aquele espetáculo de uma longuíssima coluna de armaduras refulgentes e flâmulas desfraldadas ao vento, cavalgando pelos péssimos caminhos que rasgavam montes e vales. Os invasores traziam consigo 16 canhões, coisa que por cá nunca se vira.
Ao encontro dessa imponente máquina de guerra partiu uma pequena hoste portuguesa de 6 mil homens, comandada por Nuno Álvares Pereira. A força portuguesa incluía uns 800 besteiros, que eram os soldados que combatiam com bestas - aqueles arcos com coronha e gatilho que disparavam umas pequenas setas chamadas virotes -, e ainda um destacamento de 200 arqueiros ingleses, vindos ao abrigo da recente aliança luso-britânica; mas a maior parte da tropa era formada por peões, homens do povo armados de um ferro pontiagudo chamado chuço.
Ao terem conhecimento de que os invasores se encontravam perto de Leiria, os nossos resolveram entrincheirar-se num terreno que lhes pareceu adequado para travar batalha. Era um planaltozinho próximo de Aljubarrota, e ali cavaram uns buracos-armadilha (as covas de lobo). Os castelhanos acharam preferível contornar o planalto e lançar o ataque num ponto onde o declive era menos acentuado. Mas era exatamente o que os portugueses esperavam: alteraram o seu posicionamento e, aproveitando as defesas construídas durante a noite, aguardaram a pé firme o impetuoso ataque da cavalaria inimiga, lançado quando o sol já declinava.
A batalha resolveu-se numa hora e saldou-se pela derrota dos castelhanos e dos franceses, que debandaram em desordem. Muitos fugitivos foram chacinados pela população da zona. Os pobres castelhanos da padeira contaram-se entre eles.
Portugal garantiu assim a independência, com D. João I no trono. Foi graças a esta vitória que Portugal deixou de ser importunado pela ambição expansionista de Castela e se pôde dedicar em paz à... sua própria ambição expansionista - esta para outros continentes. Haveria pois todos os motivos e mais um para que 14 de agosto fosse feriado nacional.
O começo da aventura ultramarina
A conquista de Ceuta, aqui do outro lado do estreito de Gibraltar, foi o primeiro passo de uma expansão que alcançaria terras japonesas
Tinham passado 30 anos desde a Batalha de Aljubarrota e uma nova geração habituara-se a viver em paz dentro das relativamente apertadas fronteiras do reino. Para cimentar a aliança com a Inglaterra, D. João I casara com Philippa of Lancaster, a nossa "Filipa de Lencastre", e o casal tivera uma série de filhos, todos eles, como hoje se diria, sobredotados, que ficaram conhecidos por "Ínclita Geração". E não é que ninguém tirava da cabeça desses "ínclitos" a ideia de fazerem-se ao mar e irem conquistar Ceuta, uma importante praça-forte muçulmana do outro lado do estreito de Gibraltar?
Hoje, muita gente vai a Ceuta comprar aparelhagens e material informático a bom preço e, simultaneamente, encher os olhos com o relativo exotismo daquela cidade do Norte de África. Mas naquele princípio do século XV não se viajava por turismo. Ceuta era o destino de uma das mais importantes rotas de caravanas que atravessavam o deserto do Sara carregadas de ouro e de marfim da Guiné, e quem a possuísse ficaria - em princípio - senhor de muitas riquezas. Estes eram os argumentos usados pelos infantes para tentarem convencer o real pai, mas o que eles queriam mesmo era combater à espadeirada. Eram jovens e queixavam-se do "azar" de não terem vivido três décadas atrás, no tempo dos cercos de Lisboa e da Batalha de Aljubarrota. Bom mesmo, pensavam, teria sido a sua passagem pelo mundo ter coincidido com o tempo das guerras contra os mouros, dois ou três séculos antes... Os rapazes teimavam nisto porque, tal como o fictício D. Quixote de Cervantes, eram leitores compulsivos de romances de cavalaria e gostavam de se comparar aos lendários cavaleiros da Távola Redonda do Rei Artur e aos Doze Pares de França de Carlos Magno.
Por fim, D. João I, que ia então nos 58 anos de idade, lá se decidiu a enviar a Ceuta dois espiões, uns tais Afonso de Mendonça e Álvaro Camelo. Para disfarçar, estes homens de confiança iam no comando de uma embaixada à Sicília que, no caminho, faria escala na cidade norte-africana. Quando voltaram, vinham carregados de informações preciosas: Mendonça contou uma profecia que ouvira segundo a qual Ceuta ainda haveria de ser portuguesa; Camelo construiu com areia e pedrinhas uma maqueta da cidade, mostrando ao rei os seus pontos fracos defensivos.
D. João lá se deixou convencer e, obtida a concordância do vizinho reino de Castela (com o qual Portugal não queria ter mais conflitos), autorizou os preparativos da expedição. Um exército de 20 mil homens, incluindo mercenários ingleses, galegos e bascos, embarcou então em Lisboa no dia 25 de junho de 1415, esperançado em que o assalto iria correr bem. Como os navios eram então muito pequenos, foram precisos quase 200 para transportar aquela tropa toda.
E, efetivamente, a coisa correu bem. A 21 de agosto, a soldadesca desembarcou nuns areais e os mouros foram a correr fechar as portas da cidade, mas a surpresa destes fora tal que no dia seguinte Ceuta já era portuguesa. E foi-o até a Espanha se apropriar dela, a pretexto da União Ibérica de 1580-1640, e nunca mais a devolver. Agora, os espanhóis têm naturais problemas com os marroquinos, que pretendem que a cidade lhes seja devolvida.
Costuma considerar-se o ano de 1415 como sendo o do início da expansão portuguesa para outros continentes, e por este motivo a data de 22 de agosto daria um belo feriado.
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Portugal, superpotência mundial
A assinatura do Tratado de Tordesilhas, entre Portugal e a Espanha, repartiu o planeta pelos dois estados ibéricos
Custa a acreditar, mas chegou a acontecer. Para indignação de outros Estados europeus, o Portugal de D. João II e a recém-formada Espanha dos "Reis Católicos" Fernando de Aragão e Isabel de Castela dividiram entre si o domínio da Terra!
Hoje, uma coisa assim não nos entra facilmente na cabeça. O que são agora os países ibéricos (ou o que é mesmo a própria União Europeia) ao lado de gigantes como os EUA ou a China, para já não falar de potências emergentes como o Brasil e a Índia? Mas nos finais do século XV a coisa era completamente diferente.
Depois da conquista de Ceuta, Portugal começara a enviar navios para explorar a costa de África, abrindo à Europa (que até então só viajava no Mediterrâneo e nas águas costeiras do Atlântico) o verdadeiro caminho dos oceanos. A Espanha viera depois atrás, por paradoxal "culpa" do mais visionário rei português de sempre, D. João II, o "Príncipe Perfeito", que ao recusar navios ao enigmático Cristóvão Colombo o empurrara indiretamente para os braços dos vizinhos "Reis Católicos". O certo é que os dois estados puderam dar-se ao luxo de combinar entre si quais as terras a descobrir é que ficariam para um e quais as que ficariam para o outro. O rei de França Francisco I ficou muito irritado quando soube de uma tal desfaçatez e pediu (não sem alguma pertinência) que lhe mostrassem o testamento de Adão.
O famoso e memorável tratado chama-se "de Tordesilhas" porque foi assinado na cidade castelhana deste nome, perto de Valladolid. D. João II, tinha ficado com muitas dúvidas quanto à legitimidade da apropriação do Novo Mundo (descoberto por Colombo) pela Espanha. Na sequência de um diferendo sobre a posse das Canárias já tinha havido uma anterior combinação, o Tratado das Alcáçovas, assinado em 1479, que regulamentava a posse das ilhas a serem descobertas no Atlântico. Mas o Tratado de Tordesilhas seria mais preciso a esse respeito, para que não houvesse margem a dúvidas.
Estes acordos eram celebrados sob a égide do Papa, porque desde o século XII considerava-se que todas as ilhas por descobrir pertenciam ao bispo de Roma, pelo que só ele podia, por assim dizer, outorgá-las a outro proprietário. A ideia parece absurda, mas se pensarmos um bocadinho veremos que não o era tanto assim. Com efeito, na Idade Média imaginava-se o oceano tão naturalmente carregado de ilhas como as árvores de folhas, e nada mais natural do que, sendo essas ilhas virgens, elas pertencessem ao Criador, "representado" na Terra pelo Papa. Além disso, num tempo em que não existia ONU nem nada de equivalente, só a Santa Sé possuía autoridade moral para servir de mediadora entre os Estados litigantes. Falamos, claro está, dos estados da chamada Cristandade, pois naquele tempo o mundo estava ainda dividido em compartimentos que se desconheciam uns aos outros.
E o Tratado de Tordesilhas lá foi assinado. Estipulava ele que todas as terras a descobrir a oeste de um meridiano que passava a 370 léguas da ilha de Santo Antão, no arquipélago de Cabo Verde, pertenceriam à Espanha, e todas aquelas que se encontrassem a leste dessa mesma linha caberiam a Portugal. D. João II, que já estava informado da existência de um território que viria depois a chamar-se Brasil, conseguiu negociar a colocação da linha divisória de modo a que ele viesse a pertencer ao hemisfério português. Visão de "Príncipe Perfeito". Mas já lá iremos mais adiante. Para já, reflita-se nisto: haveria feriado nacional mais justificado do que aquele que comemorasse a data em que o nosso país se tornou uma das duas superpotências?...
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A viagem que mudou o mundo
Antes da chegada de Vasco da Gama á Índia o mundo estava dividido em compartimentos estanques; nesse dia começou a "aldeia global"
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A inauguração, em 1998, da enorme Ponte Vasco da Gama, sobre o estuário do Tejo, veio finalmente constituir uma homenagem pública permanente àquele que foi - e é - um dos mais famosos portugueses de sempre. Ao lado de Vasco da Gama, com projeção mundial equivalente só existem mesmo o Infante D. Henrique e o entre nós demasiado "esquecido" Fernão de Magalhães (que organizou a primeira viagem à volta do mundo, mas ao serviço da Espanha). Sim, porque - falando a sério - as "glórias" futebolísticas são não apenas efémeras mas sobretudo irrelevantes.
Quase toda a gente sabe dizer de cor que "Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a Índia". Mas esta frase feita pode gerar alguma confusão: se ele descobriu o caminho marítimo, era porque o caminho terrestre já era conhecido. E é verdade. Só que ninguém ia à Índia por terra. Da Índia, o que interessava na Europa eram as especiarias, que nesse tempo valiam quase tanto como o ouro. Quem trazia esses produtos para o Ocidente eram os marinheiros árabes, que os deixavam na zona de Suez. As mercadorias atravessavam o istmo às costas de camelos para serem embarcadas em navios da República de Veneza, que por sua vez os vendia, mais caros do que os olhos da cara, nas praças europeias. A certa altura (concretamente em 1453), para agravar ainda mais as coisas, a tomada de Constantinopla pelos turcos complicou a navegação no Mediterrâneo oriental, fazendo disparar os preços das cobiçadas e já caríssimas especiarias. Só havia uma solução: ir buscá-las diretamente ao Oriente. Mas para isso era preciso encontrar um caminho seguro, que não passasse pelas águas turcas ou árabes.
Quem teve a ideia foi D. João II, o mesmo rei que já vimos atrás a assinar o Tratado de Tordesilhas com a Espanha. Mas entretanto esse estadista visionário morrera sem deixar herdeiro direto (o filho morrera num acidente), sucedendo-lhe o cunhado, D. Manuel I. Foi dessa missão de encontrar o caminho marítimo para a Índia que o novo soberano incumbiu Vasco da Gama.
Nesse ano de 1497, em que partiu a expedição, já Bartolomeu Dias tinha conseguido navegar do Atlântico para o Índico, abrindo aos portugueses a porta deste mar, e também já Pero da Covilhã, que chegara à Índia disfarçado, num navio muçulmano, transmitira informações geográficas que se revelariam preciosas.
Vasco da Gama não era um navegador, e foi por ser fidalgo (o pai era alcaide-mor de Sines) que o rei o encarregou de comandar a esquadra, composta pelas naus S. Gabriel, S. Rafael e S. Miguel e pela caravela Bérrio. Partiram a 8 de julho, fizeram escalas nas Canárias e em Cabo Verde e descreveram depois uma grande volta pelo oceano, quase tocando no Brasil, para "atacarem" decididamente o cabo da Boa Esperança, que dobraram no final do ano.
Passaram depois a navegar em águas desconhecidas dos europeus, descobrindo com espanto que na costa oriental da África havia cidades muito mais civilizadas do que os lugarejos da costa atlântica. Estavam na zona de influência árabe, o mundo marítimo e comercial do Sindbad o Marinheiro de As Mil e Uma Noites. Gama e as suas tripulações viveram ali intensas aventuras - ciladas, combates, fugas arriscadas - até conseguirem encontrar um piloto conhecedor do Índico e do regime das monções que os conduziu à costa indiana do Malabar, atravessando o mar Arábico.
Em Kozhikode, a que os portugueses chamaram Calecute, no atual estado indiano de Kerala, onde aportaram em 20 de maio de 1498, viveram ainda mais aventuras, dignas da imaginação de Emílio Salgari e da interpretação de Errol Flynn. O soberano local, um rajá chamado Samutiri Manavikraman, que tanto era amigo como inimigo de Gama, ficou registado nas nossas crónicas com o nome de Samorim de Calecute. Mas tudo acabaria por correr bem e Gama regressou a Lisboa com os porões carregados de especiarias.
Esta triunfal viagem não só lançou as bases do efémero império português do Oriente, como inaugurou a primeira era de globalização, a que o famoso historiador inglês Arnold Toynbee chamou Era Gâmica (do nome de Vasco da Gama).
No rasto dos portugueses, outras potências europeias lançaram-se depois ao assalto da Ásia e da África, e a História do mundo entraria numa nova fase: a da "aldeia global".
É ou não é verdade que se justificava plenamente o feriado de 20 de maio, data da chegada dos portugueses a Calecute, exatamente 500 anos antes da inauguração da Ponte Vasco da Gama?
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Nasce o 'imenso Portugal'
Com a "descoberta" do Brasil por Pedro Álvares Cabral, Portugal passou a ter o tamanho de um continente. Se a língua e a matriz lusas têm peso no mundo, é sobretudo graças ao gigantesco "país irmão"
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Encontrado por Vasco da Gama o caminho marítimo para a Índia, o comando da segunda esquadra com destino à terra das especiarias foi confiado a Pedro Álvares Cabral. E eis que, por um erro de navegação difícil de admitir, a maior frota constituída pelos portugueses até então (mais de mil homens embarcados em dez naus, duas caravelas e uma naveta de mantimentos) se aproximou demasiado da costa da América do Sul e, no dia 22 de abril de 1500, "descobriu" o Brasil. Mas não parece que Cabral e os seus navegadores fossem tão incompetentes ao ponto de irem chocar com a América quando pretendiam contornar a África.
Na verdade, é quase certo que não foi este o primeiro contacto dos portugueses com a maior e mais rica das suas futuras colónias. Ao mesmo tempo que, sem o esconderem, procuravam no Sul da África uma passagem para a Índia, os navegadores de D. João II e D. Manuel I aventuravam-se em segredo nas ondas do Atlântico bravio, a oeste, à procura de um continente desconhecido que por aí constava que existia. O futuro Brasil terá assim sido alcançado em 1492 por João Coelho e mais tarde, em 1498, por Duarte Pacheco Pereira. O segredo destas viagens devia-se ao facto de D. João II estar a negociar com os espanhóis o traçado do meridiano que dividia o mundo em duas esferas de influência: o Tratado de Tordesilhas de que já falámos atrás.
Mas o que interessa é que, cometendo voluntária e alegremente o tal suposto erro de navegação grosseiro, capaz de fazer corar um piloto digno desse nome, Cabral "descobriu" oficialmente o Brasil, destinado a ser durante mais de 300 anos a maior, mais rica e mais importante das colónias portuguesas.
Já agora, querem saber como eram os primitivos habitantes do Brasil no momento da "descoberta"? Então leiam esta passagem da célebre carta a D. Manuel I escrita por Pêro Vaz de Caminha, o escrivão que seguia na frota de Cabral: "Andavam entre eles quatro ou cinco mulheres novas que, assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma com uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta, e todo o resto da sua cor natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma. Todos andam rapados até por cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas. Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas de tintura preta, que parece uma fita preta da largura de dois dedos. Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela e não lhe queriam pôr a mão. Depois pegaram-lhe, mas como que espantados. Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, pastéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram nada dele, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água numa bilha, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora. Viu um deles umas contas de rosário brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dessem ouro por aquilo."
O indianismo tem fascinado gerações de brasileiros desde que o escritor romântico José de Alencar escreveu, no século XIX, os romances O Guarani e Ubirajara. O Brasil é isto: uma permanente interação entre os elementos português e indígena, numa mistura inicial logo enriquecida pelo contributo africano dos escravos "importados" e depois caldeada com o que levavam na bagagem os emigrantes chegados de toda a parte. Mas uma coisa é certa: em Badajoz estamos no estrangeiro, ao passo que no Rio de Janeiro nos sentimos em casa.
Seriam precisos mais argumentos a favor de um feriado nacional na data da "descoberta" do Brasil?
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O verdadeiro Dia da Restauração
Se o 1.º de Dezembro tem sido até agora feriado nacional, já o mesmo não sucedeu nunca com a data em que a Espanha reconheceu definitivamente, pelo verdadeiro Tratado de Lisboa, a independência portuguesa
Durante 60 anos, entre 1580 e 1640, Portugal esteve integrado na poderosa monarquia espanhola dos Habsburgos, também conhecida por Casa de Áustria. Filipe II, Filipe III e Filipe IV de Espanha reinaram por cá com os nomes de Filipe I, Filipe II e Filipe III - como diria o outro, por causa da diferença de fuso horário...
Chegara-se a esta situação por D. Sebastião ter desaparecido (na desastrosa Batalha de Alcácer Quibir) sem deixar filhos e por o "número um" na sucessão da coroa portuguesa ser Filipe II de Espanha, neto do nosso D. Manuel I. Muitos portugueses, naturalmente, tentaram reagir, mas as coisas estiveram longe de correr como dois séculos antes, em 1385, e Portugal viu-se assim envolvido nas desgastantes guerras da Espanha contra a Inglaterra e os Países Baixos, que custaram fortunas, vidas e parte do império colonial.
Quando menos se esperava, acabou por ser sacudido o jugo. Foi em 1 de dezembro de 1640, quando alguns fidalgos conjurados foram ao Paço matar e atirar pela janela o secretário de Estado Miguel de Vasconcelos e aprisionar a duquesa de Mântua, prima de Filipe IV de Espanha; logo a seguir, proclamaram rei de Portugal D. João, duque de Bragança, com o título de D. João IV. Acabavam assim, num festivo Terreiro do Paço, os 60 anos de domínio espanhol? Não: faltava o mais difícil, que era consolidar a independência tão facilmente reconquistada em menos de uma hora, numa manhã em que Lisboa acordara a bater o dente de frio.
Por sorte, o gigantesco império de Filipe IV, o maior que o mundo já conheceu, estava nesse tempo embrulhado em guerras por toda a parte. Primeiro tinha sido a revolta da Catalunha; depois foi o envolvimento na Guerra dos Trinta Anos, onde o adversário direto era a poderosa França do cardeal Richelieu. Não que Portugal tivesse deixado de interessar a Madrid, mas a verdade é que a Espanha não tinha tempo para respirar.
O nosso país teve também a sorte rara de dispor então de um primeiro-ministro competente, o conde de Castelo Melhor. Obtida a colaboração da França e da Inglaterra, Portugal pôde reestruturar com relativa calma o seu exército, cujo comando foi conferido ao alemão Schomberg.
E assim, após uma quase trégua de 20 anos ditada pela situação de sufoco em que se encontrava a Espanha, começou por fim a fase mais acesa de uma guerra em que as vitórias portuguesas sobre exércitos do país vizinho foram surgindo (como diria uma popular figura) com tranquilidade... Primeiro deu-se a Batalha das Linhas de Elvas, em 14 de janeiro de 1659, com os portugueses comandados por D. Sancho Manuel e pelo marquês de Marialva. Seguiu-se a do Ameixial, perto de Estremoz, em 8 de Janeiro de 1663, onde os nossos tiveram à frente Schomberg e o mesmo Sancho Manuel. No ano seguinte, a 7 de julho, Pedro Jacques de Magalhães deu uma tareia aos invasores em Figueira de Castelo Rodrigo e, a 17 de julho de 1665, Schomberg e Marialva alcançaram feito idêntico em Montes Claros, nas imediações de Borba. E não se tratou de escaramuças, mas de batalhas a valer, por vezes com mais de 20 mil soldados de cada lado. Ao mesmo tempo, os invasores holandeses eram expulsos de Ceuta, Malaca, Ormuz, Ceilão e de vastas zonas do Brasil e de Angola. Independentemente da situação depressiva em que se encontrava a Espanha, a Guerra da Restauração foi, sem dúvida, uma manifestação de vitalidade portuguesa para muitos inesperada e hoje algo surpreendente.
O tratado de paz viria a ser assinado em 13 de fevereiro de 1668, em Lisboa. A Espanha reconhecia finalmente a independência de Portugal, dentro das fronteiras de 1580. Castelo Melhor ainda sugerira que a Galiza nos fosse entregue, mas houve quem achasse mais prudente não impor tão pesada pena aos derrotados. Valia ou não valia esta data um justificadíssimo feriado nacional?
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Chegam as ideias novas
A revolta liberal do Porto (também conhecida por Revolução de 1820) pôs em andamento as ideias da Revolução Francesa, já antes transportadas na bagagem dos invasores napoleónicos
Durante as invasões napoleónicas, normalmente designadas por Invasões Francesas, o povo português pôde contactar com as ideias novas de "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" levadas à prática além-Pirenéus durante a Grande Revolução iniciada em 1789 e para cá trazidas pelos soldados da Grande Armée, simultaneamente ocupantes e libertadores. Por outro lado, com a partida da corte de D. João VI para o Brasil, a fim de escapar à abdicação pretendida pelos franceses, a população nacional chamou a si a resolução dos problemas que lhe diziam respeito, habituando-se a decidir pela própria cabeça.
Resultado: em 24 de agosto de 1820 estalou no Porto uma revolução liberal chefiada por Manuel Fernandes Tomás, um juiz-desembargador do Tribunal da Relação que fundara - juntamente com Ferreira Borges e Silva Carvalho (nomes que os lisboetas identificam como de ruas do bairro de Campo de Ourique) - uma associação secreta chamada Sinédrio. Do Porto, o movimento estendeu-se ao resto do País, e em Lisboa foi formado em 28 de setembro um governo muito inovador para a época.
A Corte na altura ainda não voltara do Brasil, o que facilitou bastante a tarefa dos revolucionários. O poder, oficialmente nas mãos de uma Regência, era na prática exercido pelo marechal William Beresford, um irlandês que tinha participado na expulsão das tropas napoleónicas de Portugal e da Península Ibérica. E, a 23 de setembro de 1822, entrava em vigor a primeira Constituição portuguesa.
Como diria Monsieur de La Palisse, Portugal não vive isolado no mundo - e esta Revolução de 1820 foi uma das muitas que houve então por essa Europa fora - sem falar da América Latina, que se libertava também na altura da tutela ibérica. Não admira que assim fosse. Depois da derrota de Napoleão, que à sua maneira representava a Revolução Francesa, os políticos conservadores recuperaram o pé e restauraram as antigas monarquias. Os povos é que não se submeteram a esse regresso ao passado e, liderados por vanguardas esclarecidas (quase sempre elementos da maçonaria), voltaram a fazer abanar os tronos, como sucedera na França em 1789. Seguiram-se épocas de grande confusão, com os partidários do absolutismo a voltarem à carga, golpes de Estado e guerras civis. E a tranquilidade política, com o triunfo liberal, só se instalaria mesmo por volta de 1850.
Portugal viveu num regime liberal até 1926, sob a forma de Monarquia Constitucional até 1910 e em República democrática nos restantes 16 anos. Como todos sabemos bem, em 1926, com a instauração da Ditadura Militar, a que se seguiu em 1933 o Estado Novo salazarista, o País voltou a cair numa situação semelhante ao Antigo Regime. Durante mais de 40 anos, o poder passou a ser exercido de forma absoluta por um só homem, no qual os grandes empresários e os financeiros depositavam a sua confiança e que os militares apoiavam. Pelo menos duas gerações desconheceram a liberdade, criadas na ideia de que não se podia sequer criticar o governo, sob pena de quem o fizesse ir parar à cadeia e ser torturado. Até que, em 1974, regressou a democracia.
Mas tudo começou em 1820, com a revolução liberal do Porto. Excelente data para um feriado nacional que nunca chegou a existir.
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O triunfo do liberalismo
A assinatura da Convenção de Evoramonte pôs termo à guerra civil entre absolutistas e liberais e instaurou um regime democrático que duraria mais de 90 anos
Já vimos que às primeiras revoluções liberais se seguiram épocas de grande confusão. Depois da morte de D. João VI, sucedeu-lhe no trono o filho mais velho, D. Pedro IV. Mas este já nessa altura se tinha proclamado imperador do Brasil independente, o que foi magnífico do ponto de vista português, pois se a emancipação da grande colónia era uma inevitabilidade, ao menos que o novo país se mantivesse na esfera afetiva e efetiva de Portugal. De lá do Brasil, D. Pedro, que era um partidário das ideias novas, outorgou ao nosso país uma Carta Constitucional, um pouco menos progressista de que a Constituição de 1820 mas mesmo assim melhor do que nada. Como não podia, porém, reinar nos dois países ao mesmo tempo, em 1826 abdicou da Coroa portuguesa na sua filha Maria da Glória, uma criança de 7 anos, que deveria casar com o tio D. Miguel, o irmão mais novo de D. Pedro, o qual ficaria entretanto como regente. Só que D. Miguel não simpatizava nada com as ideias novas, e, logo depois de ter jurado a Carta Constitucional, decidiu restaurar a monarquia absoluta - aquele sistema em que o rei diz "quero, posso e mando". Enquanto os caceteiros de D. Miguel (a expressão ainda hoje usada vem daí) espalhavam o terror entre os liberais, com a forca sempre armada e as cadeias cheias de oposicionistas, os padres e os frades tinham artes de ir arrastando a maioria do povo atrás do chamado "legitimismo", que representava um enorme retrocesso social. Mas é quase sempre assim na História: a população vai normalmente atrás da propaganda e as grandes ruturas devem-se à ação de vanguardas tidas por esclarecidas. E só quando tudo já passou e os que viveram os acontecimentos estão mortos e enterrados é que a posteridade faz uma leitura objetiva dos factos.
Retomando o fio à meada: a guarnição do Porto ainda se revoltou, mas foi em vão, e os partidários do liberalismo tiveram de se exilar, uns em França, outros em Inglaterra, outros ainda na ilha Terceira, nos Açores, que não acatara a nova-velha ordem miguelista. O futuro Duque da Terceira tomou então o comando dos liberais e resistiu ao ataque das esquadras absolutistas.
Enquanto em França esteve no poder a monarquia bourbónica restaurada depois da queda de Napoleão (em 1815), D. Miguel foi contando com o apoio de Paris mas, quando ali triunfou a revolução de julho de 1830, uma esquadra com a bandeira tricolor veio logo ao Tejo intimidar os absolutistas. Em 1832, D. Pedro IV de Portugal (D. Pedro I do Brasil) decidiu juntar-se aos exilados da Terceira e vir pessoalmente restaurar o liberalismo que outorgara ao povo através da Carta. Desembarcaram as forças progressistas (uns 7500 homens, entre os quais Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Joaquim António de Aguiar) numa pequena praia a norte de Porto, o Mindelo, e avançaram para a Capital do Norte, onde se entrincheiraram durante mais de um ano depois de os miguelistas terem de lá debandado. Para resolver o impasse, os "bravos do Mindelo" (como ficarem conhecidos) mandaram, a certa altura, uma esquadra de mercenários ingleses ao Algarve, que derrotou a frota miguelistas, também basicamente mercenária, na Batalha do Cabo de S. Vicente. Forças liberais seguiram então dali por terra em direção a Lisboa, onde entraram no dia 24 de julho de 1833, depois de terem vencido os absolutistas na Cova da Piedade. "24 de Julho" é nome de avenida lisboeta, mas poucos serão os alfacinhas que conhecem o significado da data. Poderia ser feriado nacional, porque nesse mesmo dia D. Miguel debandou da capital e entrincheirou-se em Santarém.
Contudo, não é esse acontecimento o mais importante desta embrulhada, mas sim o que ocorreu no dia 26 de maio de 1834, data em que D. Miguel - cujas forças tinham sido entretanto derrotadas em Almoster e na Asseiceira, acabaria por assinar a capitulação, em Evoramonte. Esta data, sim, tem tudo para ser feriado nacional.
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O 'regresso' à Europa
Na altura aclamada por uns e contestada por outros, a adesão à CEE (UE) deu início à fase presente da História de Portugal, na periferia de uma Europa que ora lhe dá alegrias ora dissabores
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O constitucionalismo monárquico seria substituído em 5 de Outubro de 1910 pelo regime republicano, sem que as regras do funcionamento político-parlamentar tenham sido espetacularmente alteradas. A 28 de maio de 1926, porém, abateu-se um punho de aço sobre os portugueses: deixou de haver eleições e liberdades, com a instauração de uma ditadura militar, institucionalizada em 1933 sob a capa do Estado Novo salazarista. Restaurada a democracia pelo golpe militar (logo transformado em Revolução) de 25 de Abril de 1974, o pedido de adesão à então Comunidade Económica Europeia (CEE) seria entregue em 28 de março de 1977 pelo primeiro Governo Constitucional pós-Revolução, da responsabilidade do PS e liderado por Mário Soares. Contudo, só em finais de março de 1985 viria a ser aprovado, depois de muita pressão do Governo do Bloco Central (PS-PSD), novamente encabeçado por Soares.
A frase "A Europa connosco" fora um dos slogans favoritos dos soaristas durante a "guerra" contra os executivos provisórios de Vasco Gonçalves, no escaldante "Verão Quente" de 1975. Homem de esquerda, compagnon de route do PCP, o general chefiara nesse período os governos posicionados mais à esquerda de toda a História de Portugal, e para combater as ideias "demasiado avançadas" em clima revolucionário, a direita agitou a bandeira do "socialismo com rosto humano", uma expressão também muito usada pelo PS. A adesão à CEE seria o corolário dessa marcha.
A luz verde seria dada por Bruxelas quando se tornou notório que a jovem democracia portuguesa estava consolidada, ou, por outras palavras, que Portugal já não iria resvalar para a esfera de influência soviética. Simultaneamente, a adesão impediria em si mesma que tal eventualidade se consumasse, já que a inicial ausência de encargos por parte de Lisboa e a choruda entrada de divisas (os fundos de coesão) se apresentavam como a mais sedutora das sereias e faziam prever um tempo de vacas gordas. Finalmente, a adesão foi formalmente assinada em 12 de junho de 1985, no claustro dos Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa. Sem qualquer consulta direta ao povo descendente do que em 1385 coroara rei o mestre de Avis, o Parlamento português e o próprio Executivo de Lisboa perdiam muitos poderes face aos centros decisórios de Bruxelas. Nunca, aliás (e ao contrário do que sucedeu noutros países), houve qualquer referendo em matéria europeia, inclusive quanto à adoção do Euro e à consequente perda do direito de cunhar moeda - as moedas que, sob forma esquemática, estão representadas por círculos brancos no interior das quinas azuis do escudo português.
Antes de o europeísmo se ter tornado matéria indiscutível, os políticos repartiam-se por dois campos antagónicos: os europeístas e os antieuropeístas, estes com a nuance "eurocética". Os ganhos iniciais acabariam por desfazer as dúvidas.
O resto, todos sabemos. A adesão obrigou a redução drásticas no tecido produtivo, nomeadamente nos setores da agricultura e da pesca, e Portugal passou a ser visto de fora como um país de serviços, ótimo para jogar golfe e passar férias. Para os europeístas, os moldes em que se processou esse "regresso à Europa" foram o custo a pagar por uma economia débil que não poderia viver isolada, sob pena de "albanizar-se"; para os antieuropeístas e eurocéticos foi a hipoteca definitiva de uma independência que datava de 1143, daquela tal "primeira tarde portuguesa" em que, supostamente, o filho bateu na mãe...
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