quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

SABER MAIS SOBRE JOSEMAR AFONSO

Entrevista a Josemar Afonso - Membro da Direção Nacional da AEAP-Associação de Estudantes Angolanos em Portugal

 
Criador do Programa Alfa
Diretor de Marketing – Muxima Magazine
Sócio da empresa de Marketing Dacosta Media Web Design & Comunicação.
FELP – Fórum dos Empresários de Língua Portuguesa
NZAYI - Criação e Gestão de Projetos – Diretor Estratégico e de Projetos
 
Jornalista: Carla Cristina Rocha
 

SABER MAIS SOBRE JOSEMAR AFONSO

Josemar Afonso vive atualmente em Benfica- Lisboa. Nasceu na cidade de Luanda – Angola, fez a primária na mesma cidade e tem 5 irmãos. Veio estudar para Lisboa onde conclui o secundário na escola Padre Alberto Neto, em Queluz, licenciou-se na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em Ciências Políticas e Relações Internacionais, frequenta o último ano de mestrado no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP-UTL), em Gestão e Políticas Públicas, em simultâneo com a Pós-graduação em Governance and Strategic Intelligence.

 

                Carla Cristina Rocha: Que retrospectiva faz da sua caminhada desde que chegou a Portugal até aos dias de hoje?

Josemar Afonso: Foram tempos complicados. É sempre muito difícil, principalmente com a minha idade (11 anos), sair de um país e “aventurar-se” para um outro. Outra cultura, outras pessoas, outra mentalidade… Tudo diferente. Também não tive grande poder de escolha. Não foi uma escolha minha ter vindo para Portugal mas, ainda bem que assim aconteceu. Foi a melhor coisa que os meus pais poderiam ter feito por mim. Abriu-me horizontes, perspetivas, cultivou e solidificou a mentalidade e a personalidade que tenho hoje. Já dizia o Fernando Pessoa, “tudo vale a pena quando a alma não é pequena.” Gosto de pensar que sempre tive uma alma enorme, uma vontade de vencer, uma demanda por mais, que me possibilitou superar todos os obstáculos que surgiram no meu caminho. Passei por muito. Vários momentos de tristeza, como vários momentos de alegria. Com isso tudo, cresci, aprendi e fortaleci-me. Depois, tive sempre Deus ao meu lado. Embora na altura não soubesse…

C.R.:Como vive um estudante Angolano/ Africano em Portugal, mesmo com a ajuda da bolsa de estudo?

J.A.: A forma de viver depende muito de cada um. Cada pessoa estabelece os seus parâmetros. Pessoalmente, nunca estudei com apoio financeiro de terceiros, isto é, bolsas e afins. Os meus estudos sempre foram financiados pela minha família, meus pais principalmente. Esse fator incutiu em mim um sentido de missão enorme. Porque para além de estudar por mim, estudava e estudo também pelos meus pais, pelo sacrifício que eles fizeram para dar-me essa oportunidade. Por isso, tentei ao máximo ter uma vida o mais regrada possível. A doutrina do meio-termo imperava em quase todos os momentos. Claro que com uma bolsa a propensão para os excessos é maior. Contudo, como frisei inicialmente, cada um estabelece os seus parâmetros. A vida em Portugal, como em qualquer outro país, pode ser bastante isolada e triste. Cabe a nós encontrarmos força dentro de nós para superarmos. Muitos não têm familiares diretos com quem possam contar. Os amigos/colegas tornam-se os familiares. Imigrar é um teste diário a nossa determinação e força de vontade.

C.R.: 3 ou 5 anos longe da família, como se aguenta?

J.A.: Não pensando nisso. É uma única forma de se aguentar. Concentrar-se o máximo possível nos objetivos que nos leva ao determinado local e não pensar em nada mais. Se nos perdermos no vazio que sentimos devido a ausência da família, é extremamente difícil sair desse buraco. Por isso, melhor solução para o problema, não torna-lo num problema.

C.R.: Quais são as maiores dificuldades de adaptação

J.A.: Como era miúdo, não tive grandes problemas de adaptação, basicamente cresci em Portugal. A língua é um aspeto facilitador da socialização. A nível cultural não vejo grandes dificuldades, a nível social, sim. O desenvolvimento em Portugal é consideravelmente maior do que o de Angola, o que pode causar um ligeiro choque ao início. Contudo, não creio que seja uma dificuldade por aí além. A nível étnico-racial é que podemos falar de dificuldades de aceitação por parte de alguma parte da comunidade Portuguesa. O nariz maior do que dos portugueses, os lábios mais grossos, a pele escura, o sotaque angolano, entre outros pormenores, nem sempre foi aceite da melhor forma. Adaptação foi relativamente fácil, a aceitação é que pode ter demorado um tempo. Há coisas que só o tempo resolve…

C.R.: Como é que a AEAP motiva o estudante a enfrentar as dificuldades e como interage com o resto da comunidade Angolana?

J.A.: Da forma mais positiva possível. Para já, a Associação dá aos estudantes um sentido de missão: “estamos a estudar para desenvolver o nosso país”. Este é o propósito de todos os estudantes chegados á Associação. A nível do enfrentar as dificuldades, tentamos que a Associação esteja o mais presente possível na vida dos estudantes, auxiliando, aconselhando, acompanhando, orientando, em todos os momentos que for possível. Incutindo a valorização da nossa identidade, mas ao mesmo tempo o respeito pela cultura e sociedade Portuguesa enquanto casa que os acolheu. Para a restante comunidade, a Associação tem uma postura de cooperação. Encontra-se sempre disponível para participar em atividades e iniciativas da comunidade Angolana em Geral, bem como para auxiliar em tudo o que tiver ao seu alcance. No final do dia, partilhamos todos a mesma herança, a minha nação e a mesma identidade. Somos estrangeiros num país longínquo, cultivamos a unidade como forma de Auto preservação.

C.R.: Como Membro da Direção da AEAP e como o Antigo Homem do leme da Associação ligado à Lusófona, se tivesse mais apoio quais seriam os projectos que podia implementar para ajudar mais?

J.A.: Nunca gostei de meter-me em calças que não me servissem por serem demasiado largas ou justas. Sempre gostei de coisas á minha medida e á medida do meu desenvolvimento pessoal. Quando entrei para as duas instituições, era relativamente novo e nunca tive a pretensão de desenvolver projetos, sempre de contribuir para os projetos e aprender diariamente até estar em posição de os executar da melhor forma possível. Modéstia parte, hoje considero encontrar-me nesse estágio. Já me surgiram á cabeça inúmeros projetos, demasiados talvez. Uns com mais validade social, outros com menos, todos igualmente aceitáveis e materializáveis, com mais ou menos esforço. De todos os projetos que tenho em mente, se tivesse todo o apoio necessário, criaria o FAEAP – Fundo de Apoio ao Estudante Angolano em Portugal. Este fundo teria dupla finalidade: Apoiar financeiramente os estudantes com maior dificuldade financeira; apoiar o desenvolvimento de novos projetos, ideias e talentos da nossa juventude em Portugal. Acho que todos os projetos têm de ter alguma validade social a nível de ajuda ao próximo, caso contrário é apenas mais um… O FAEAP é o meu projeto de sonho. Talvez algum dia esteja em posição de o materializar.

C.R.: Explique em que consiste o programa Alfa. Qual é o seu objectivo?

J.A.: O Programa ALFA é um dos meus, espero inúmeros, contributos ao desenvolvimento do meu país. O ALFA procura ser mais do que um Programa de Formação, procura ser uma nova identidade para a juventude Angolana. Procura criar uma juventude voltada para a ética, o civismo, a responsabilidade social, o desenvolvimento pessoal e nacional, a valorização da nossa cultura, a transparência, a honestidade, etc. Ele é um programa de formação em Soft Skills, que permite a formatação dos novos quadros, para um mindset mais propenso ao desenvolvimento pessoal e profissional. O ALFA é mais do que formação profissional, é formação pessoal. Queremos moldar pessoas com uma mentalidade construtiva e focada no desenvolvimento pessoal aliado ao desenvolvimento coletivo. Por isso assentamos a formação em 5 módulos, que juntos criam o programa ALFA: Ética e Comportamento Organizacional; Liderança e Empreendedorismo; Comunicação Organizacional; Criatividade e Inovação; Trabalho em Equipa e Gestão de Conflitos. Acredito que essas cinco áreas são as áreas essenciais para a construção dessa nova identidade, a ALFA. As universidades perderam o foco de formar pessoas, formam apenas profissionais. O ALFA procura, antes de formar profissionais, formar Boas pessoas. Os recursos humanos são o futuro do país. Tendo isso em mente, é necessário, desde já, formar para os desafios que o futuro trará para o país.

C.R.: Nestes anos em que foi conhecendo imensos estudantes africanos, quais as maiores dificuldades provocadas pela diferença cultural?

J.A.: De opinião pessoal, Portugal não tem uma cultura tão acentuada como a dos países Africanos. A cultura portuguesa manifesta-se de forma mais subtil relativamente a Africana. Por isso, assistimos constantemente ao mosaico multicultural que é Portugal. Os Africanos, na sua maior parte, mantêm a sua identidade cultural mesmo estando em Portugal. Por isso, nessa perspetiva não creio que se tenha sentido grande dificuldade. Existem pormenores que fujam ao referido. Também não podemos esquecer que a maior parte são PALOP. A identidade Portuguesa de certa forma também “contaminou” e influenciou a identidade desses países. Pelo que em certos detalhes não exista tanta discrepância. As diferenças climatéricas no meu ver, são as que numa primeira fase mais afetam.

C.R.: Pensa que este intercâmbio de formação entre Portugal e Angola é um enriquecimento para os estudantes?

J.A.: Claro. É um alargar de horizontes. Em Portugal temos acesso a panóplia de ferramentas que permitem o nosso desenvolvimento académico. Angola, tem apostando ultimamente no desenvolvimento desse sector, é ótimo poder beber da experiencia de países com sistemas mais consolidados e experientes. Graças a esse Intercâmbio, o estudante pode levar o que aprendeu em Portugal e tentar adaptar a realidade Angolana. Na minha perspetiva, toda a troca de conhecimento é benéfica quando tem uma possibilidade real de aplicação. 

C.R.: Fazendo um retracto de si próprio: “ Quem é o Josemar Afonso “? (pessoa, estudante, objectivos futuros).

J.A.: Sou uma pessoa diferente, creio. É difícil definir-me. Enquanto pessoa, tento ser a melhor pessoa possível. Aposto bastante no meu desenvolvimento enquanto pessoa, seja a nível interno, como o amor-próprio, seja nível externo como o amor ao próximo. Tenho uma maneira de viver e entender muito minha. Odeio o pensamento coletivo. Odeio o Status Quo. Gosto de cultivar o pensamento divergente constantemente. Não pelo gosto da contradição, porque acho que só com pensamento divergente, a ousadia de pensar fora do pré-formatado, a recusa ao conformismo, o mundo avança. Sou um eterno sonhador, creio. Pelo menos, passo demasiado tempo a imaginar o mundo como poderia ser. Claro que observo como ele é, só assim consigo imaginar como poderia ser, através disso crio a maior parte dos meus projetos. Na minha história de vida, tive de aprender a depender apenas de mim para alcançar, tive de cultivar muita auto-estima e confiança para fazer face aos desafios. Creio que talvez agora esteja a transbordar, talvez por isso algumas conotações negativas. Tenho uma espécie de fascínio pelo desenvolvimento pessoal. Quero sempre mais e mais, contudo, não aceito pisar alguém para alcançar o que for. Tenho de merecer pelo meu esforço, talento e dedicação. Não tenho receio de dizer que sou excelente em algo, porque sei que trabalhei imenso para alcançar esse estatuto… Sei o meu esforço, por isso valorizo-me. Enquanto estudante, sou atraído por desafios e áreas do meu interesse, tudo o resto não me dedico. Se não for do meu interesse e se não me sentir desafiado, provavelmente não me dedicarei tanto quanto devia. Objetivos futuros? Não gosto de definir limites. Vou até aonde me for possível chegar. Gosto de conquistar as coisas, passo a passo. Gosto de sentir que mereci as minhas conquistas, caso contrário nego-as.

1 comentário:

  1. Uma entrevista que deveria ser lida por todos aqueles que desejam contribuir para um MUNDO MELHOR......................O pensamento de Josemar é sem dúvida uma fonte de inspiração para os MAIS NOVOS e para OS MAIS VELHOS.Muito agradecida Josemar pela lição. Dilia Fraguito Samarth
    Dilia Fraguito Samarth

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