Entrevista a Josemar Afonso - Membro da Direção Nacional da AEAP-Associação de Estudantes Angolanos em Portugal
Criador do Programa Alfa
Diretor de Marketing – Muxima Magazine
Sócio da empresa de Marketing Dacosta Media Web Design &
Comunicação.
FELP – Fórum dos Empresários de Língua Portuguesa
NZAYI -
Criação e Gestão de Projetos – Diretor Estratégico e de Projetos
Jornalista: Carla Cristina Rocha
SABER MAIS SOBRE JOSEMAR AFONSO
Josemar Afonso vive atualmente em Benfica- Lisboa. Nasceu na cidade de Luanda – Angola, fez a primária na mesma cidade e tem 5 irmãos. Veio estudar para Lisboa onde conclui o secundário na escola Padre Alberto Neto, em Queluz, licenciou-se na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em Ciências Políticas e Relações Internacionais, frequenta o último ano de mestrado no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP-UTL), em Gestão e Políticas Públicas, em simultâneo com a Pós-graduação em Governance and Strategic Intelligence.
Carla Cristina Rocha: Que retrospectiva faz da sua caminhada desde que chegou a Portugal até aos dias de hoje?
Josemar Afonso: Foram tempos complicados. É sempre muito difícil,
principalmente com a minha idade (11 anos), sair de um país e “aventurar-se”
para um outro. Outra cultura, outras pessoas, outra mentalidade… Tudo
diferente. Também não tive grande poder de escolha. Não foi uma escolha minha
ter vindo para Portugal mas, ainda bem que assim aconteceu. Foi a melhor coisa
que os meus pais poderiam ter feito por mim. Abriu-me horizontes, perspetivas,
cultivou e solidificou a mentalidade e a personalidade que tenho hoje. Já dizia
o Fernando Pessoa, “tudo vale a pena quando a alma não é pequena.” Gosto de
pensar que sempre tive uma alma enorme, uma vontade de vencer, uma demanda por
mais, que me possibilitou superar todos os obstáculos que surgiram no meu
caminho. Passei por muito. Vários momentos de tristeza, como vários momentos de
alegria. Com isso tudo, cresci, aprendi e fortaleci-me. Depois, tive sempre
Deus ao meu lado. Embora na altura não soubesse…
C.R.:Como vive um estudante Angolano/ Africano em Portugal, mesmo com a ajuda da bolsa de estudo?
J.A.: A forma de viver depende muito de cada um. Cada pessoa
estabelece os seus parâmetros. Pessoalmente, nunca estudei com apoio financeiro
de terceiros, isto é, bolsas e afins. Os meus estudos sempre foram financiados
pela minha família, meus pais principalmente. Esse fator incutiu em mim um
sentido de missão enorme. Porque para além de estudar por mim, estudava e estudo
também pelos meus pais, pelo sacrifício que eles fizeram para dar-me essa
oportunidade. Por isso, tentei ao máximo ter uma vida o mais regrada possível.
A doutrina do meio-termo imperava em quase todos os momentos. Claro que com uma
bolsa a propensão para os excessos é maior. Contudo, como frisei inicialmente,
cada um estabelece os seus parâmetros. A vida em Portugal, como em qualquer
outro país, pode ser bastante isolada e triste. Cabe a nós encontrarmos força
dentro de nós para superarmos. Muitos não têm familiares diretos com quem
possam contar. Os amigos/colegas tornam-se os familiares. Imigrar é um teste
diário a nossa determinação e força de vontade.
C.R.: 3 ou 5 anos longe da família, como se aguenta?
J.A.: Não
pensando nisso. É uma única forma de se aguentar. Concentrar-se o máximo
possível nos objetivos que nos leva ao determinado local e não pensar em nada
mais. Se nos perdermos no vazio que sentimos devido a ausência da família, é
extremamente difícil sair desse buraco. Por isso, melhor solução para o
problema, não torna-lo num problema.
C.R.: Quais são as maiores dificuldades de adaptação
J.A.: Como era miúdo, não tive
grandes problemas de adaptação, basicamente cresci em Portugal. A língua é um
aspeto facilitador da socialização. A nível cultural não vejo grandes
dificuldades, a nível social, sim. O desenvolvimento em Portugal é
consideravelmente maior do que o de Angola, o que pode causar um ligeiro choque
ao início. Contudo, não creio que seja uma dificuldade por aí além. A nível
étnico-racial é que podemos falar de dificuldades de aceitação por parte de
alguma parte da comunidade Portuguesa. O nariz maior do que dos portugueses, os
lábios mais grossos, a pele escura, o sotaque angolano, entre outros pormenores,
nem sempre foi aceite da melhor forma. Adaptação foi relativamente fácil, a
aceitação é que pode ter demorado um tempo. Há coisas que só o tempo resolve…
C.R.: Como é que a AEAP motiva o estudante a enfrentar as dificuldades e como interage com o resto da comunidade Angolana?
J.A.: Da forma mais positiva possível. Para já, a Associação dá aos
estudantes um sentido de missão: “estamos a estudar para desenvolver o nosso
país”. Este é o propósito de todos os estudantes chegados á Associação. A nível
do enfrentar as dificuldades, tentamos que a Associação esteja o mais presente
possível na vida dos estudantes, auxiliando, aconselhando, acompanhando,
orientando, em todos os momentos que for possível. Incutindo a valorização da
nossa identidade, mas ao mesmo tempo o respeito pela cultura e sociedade
Portuguesa enquanto casa que os acolheu. Para a restante comunidade, a
Associação tem uma postura de cooperação. Encontra-se sempre disponível para
participar em atividades e iniciativas da comunidade Angolana em Geral, bem
como para auxiliar em tudo o que tiver ao seu alcance. No final do dia,
partilhamos todos a mesma herança, a minha nação e a mesma identidade. Somos
estrangeiros num país longínquo, cultivamos a unidade como forma de Auto
preservação.
C.R.: Como Membro da Direção da AEAP e como o Antigo Homem do leme da Associação ligado à Lusófona, se tivesse mais apoio quais seriam os projectos que podia implementar para ajudar mais?
J.A.: Nunca gostei de meter-me em calças que não me servissem por
serem demasiado largas ou justas. Sempre gostei de coisas á minha medida e á
medida do meu desenvolvimento pessoal. Quando entrei para as duas instituições,
era relativamente novo e nunca tive a pretensão de desenvolver projetos, sempre
de contribuir para os projetos e aprender diariamente até estar em posição de
os executar da melhor forma possível. Modéstia parte, hoje considero
encontrar-me nesse estágio. Já me surgiram á cabeça inúmeros projetos,
demasiados talvez. Uns com mais validade social, outros com menos, todos
igualmente aceitáveis e materializáveis, com mais ou menos esforço. De todos os
projetos que tenho em mente, se tivesse todo o apoio necessário, criaria o
FAEAP – Fundo de Apoio ao Estudante Angolano em Portugal. Este fundo teria
dupla finalidade: Apoiar financeiramente os estudantes com maior dificuldade
financeira; apoiar o desenvolvimento de novos projetos, ideias e talentos da
nossa juventude em Portugal. Acho que todos os projetos têm de ter alguma
validade social a nível de ajuda ao próximo, caso contrário é apenas mais um… O
FAEAP é o meu projeto de sonho. Talvez algum dia esteja em posição de o
materializar.
C.R.: Explique em que consiste o programa Alfa. Qual é o seu objectivo?
J.A.: O Programa ALFA é um dos meus, espero inúmeros, contributos
ao desenvolvimento do meu país. O ALFA procura ser mais do que um Programa de
Formação, procura ser uma nova identidade para a juventude Angolana. Procura
criar uma juventude voltada para a ética, o civismo, a responsabilidade social,
o desenvolvimento pessoal e nacional, a valorização da nossa cultura, a
transparência, a honestidade, etc. Ele é um programa de formação em Soft Skills,
que permite a formatação dos novos quadros, para um mindset mais propenso ao
desenvolvimento pessoal e profissional. O ALFA é mais do que formação
profissional, é formação pessoal. Queremos moldar pessoas com uma mentalidade
construtiva e focada no desenvolvimento pessoal aliado ao desenvolvimento
coletivo. Por isso assentamos a formação em 5 módulos, que juntos criam o programa
ALFA: Ética e Comportamento Organizacional; Liderança e Empreendedorismo;
Comunicação Organizacional; Criatividade e Inovação; Trabalho em Equipa e
Gestão de Conflitos. Acredito que essas cinco áreas são as áreas essenciais
para a construção dessa nova identidade, a ALFA. As universidades perderam o
foco de formar pessoas, formam apenas profissionais. O ALFA procura, antes de
formar profissionais, formar Boas pessoas. Os recursos humanos são o futuro do
país. Tendo isso em mente, é necessário, desde já, formar para os desafios que
o futuro trará para o país.
C.R.: Nestes anos em que foi conhecendo imensos estudantes africanos, quais as maiores dificuldades provocadas pela diferença cultural?
J.A.: De opinião
pessoal, Portugal não tem uma cultura tão acentuada como a dos países
Africanos. A cultura portuguesa manifesta-se de forma mais subtil relativamente
a Africana. Por isso, assistimos constantemente ao mosaico multicultural que é
Portugal. Os Africanos, na sua maior parte, mantêm a sua identidade cultural
mesmo estando em Portugal. Por isso, nessa perspetiva não creio que se tenha
sentido grande dificuldade. Existem pormenores que fujam ao referido. Também
não podemos esquecer que a maior parte são PALOP. A identidade Portuguesa de
certa forma também “contaminou” e influenciou a identidade desses países. Pelo
que em certos detalhes não exista tanta discrepância. As diferenças
climatéricas no meu ver, são as que numa primeira fase mais afetam.
C.R.: Pensa que este intercâmbio de formação entre Portugal e Angola é um enriquecimento para os estudantes?
J.A.: Claro. É um alargar de horizontes. Em Portugal temos acesso a
panóplia de ferramentas que permitem o nosso desenvolvimento académico. Angola,
tem apostando ultimamente no desenvolvimento desse sector, é ótimo poder beber
da experiencia de países com sistemas mais consolidados e experientes. Graças a
esse Intercâmbio, o estudante pode levar o que aprendeu em Portugal e tentar
adaptar a realidade Angolana. Na minha perspetiva, toda a troca de conhecimento
é benéfica quando tem uma possibilidade real de aplicação.
C.R.: Fazendo um retracto de si próprio: “ Quem é o Josemar Afonso “?
(pessoa, estudante, objectivos futuros).
J.A.: Sou uma pessoa diferente, creio. É difícil
definir-me. Enquanto pessoa, tento ser a melhor pessoa possível. Aposto
bastante no meu desenvolvimento enquanto pessoa, seja a nível interno, como o
amor-próprio, seja nível externo como o amor ao próximo. Tenho uma maneira de
viver e entender muito minha. Odeio o pensamento coletivo. Odeio o Status Quo.
Gosto de cultivar o pensamento divergente constantemente. Não pelo gosto da
contradição, porque acho que só com pensamento divergente, a ousadia de pensar
fora do pré-formatado, a recusa ao conformismo, o mundo avança. Sou um eterno sonhador,
creio. Pelo menos, passo demasiado tempo a imaginar o mundo como poderia ser.
Claro que observo como ele é, só assim consigo imaginar como poderia ser,
através disso crio a maior parte dos meus projetos. Na minha história de vida,
tive de aprender a depender apenas de mim para alcançar, tive de cultivar muita
auto-estima e confiança para fazer face aos desafios. Creio que talvez agora
esteja a transbordar, talvez por isso algumas conotações negativas. Tenho uma
espécie de fascínio pelo desenvolvimento pessoal. Quero sempre mais e mais,
contudo, não aceito pisar alguém para alcançar o que for. Tenho de merecer pelo
meu esforço, talento e dedicação. Não tenho receio de dizer que sou excelente
em algo, porque sei que trabalhei imenso para alcançar esse estatuto… Sei o meu
esforço, por isso valorizo-me. Enquanto estudante, sou atraído por desafios e
áreas do meu interesse, tudo o resto não me dedico. Se não for do meu interesse
e se não me sentir desafiado, provavelmente não me dedicarei tanto quanto
devia. Objetivos futuros? Não gosto de definir limites. Vou até aonde me for
possível chegar. Gosto de conquistar as coisas, passo a passo. Gosto de sentir
que mereci as minhas conquistas, caso contrário nego-as.
Uma entrevista que deveria ser lida por todos aqueles que desejam contribuir para um MUNDO MELHOR......................O pensamento de Josemar é sem dúvida uma fonte de inspiração para os MAIS NOVOS e para OS MAIS VELHOS.Muito agradecida Josemar pela lição. Dilia Fraguito Samarth
ResponderEliminarDilia Fraguito Samarth